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Postado dia 25/01/2023 às 14:56:25

Torcida de 32 mil mulheres e crianças vibra com o Athletico em Curitiba

Faltavam pouco mais de 24 horas para o jogo entre Athletico e Maringá quando uma sensação diferente invadiu o corpo de Adriana Schweiger, 48. Coxa-branca desde sempre, pela primeira vez ela sentiu vontade de vestir uma camisa do Athletico, o time rival. Correu mandar mensagem para a ex-cunhada. "Anne, preciso te contar uma coisa, mas estou morrendo de vergonha", disse em áudio à amiga. E rindo, continuou: "Estou querendo virar athleticana. Me ajuda?".

Adriana foi coxa-branca na infância e adolescência, mas é casada com um athleticano e o filho, de 11 anos, é rubro-negro fanático. "Quando eu era criança, alguém me fez torcer para o Coxa, mas não me lembro nem o porquê", disse à amiga. Em pouco tempo naquela sexta-feira (20), decidiu: seria athleticana. Foi até a loja do time e comprou uma camiseta oficial. Na foto de perfil do WhatsApp ela aparece usando boné com o escudo do Athletico. Estava convertida e pronta para o inédito jogo que aconteceria no dia seguinte.

As ruas do bairro Água Verde, bairro de classe média-alta de Curitiba que abriga a Arena da Baixada, começaram a encher por volta do meio-dia do sábado (21). O estádio do Athletico abriu os portões às 14h para receber mulheres e crianças de até 12 anos para a terceira rodada do campeonato paranaense.

A partida inédita foi uma alternativa à punição que o time levou por uma briga entre as torcidas, em fevereiro de 2022. A primeira decisão do TJD-PR (Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná) havia sido fechar os portões para os torcedores dos dois times, mas Athletico e Coxa recorreram, sob a justificativa de que crianças e mulheres não fizeram parte da briga e que poderiam entrar no estádio. O TJD aceitou.

Recém-convertida, Adriana Schweiger admira o clube desde que conseguiu a doação de uma camiseta oficial autografada para ajudar a arrecadar dinheiro para a cadeira de rodas do filho, Marcos - Rafaela Rasera/UOL - Rafaela Rasera/UOLRecém-convertida, Adriana Schweiger admira o clube desde que conseguiu a doação de uma camiseta oficial autografada para ajudar a arrecadar dinheiro para a cadeira de rodas do filho, Marcos

A movimentação nas ruas em volta do estádio era grande. Mulheres e crianças faziam fila em cada portão de entrada. Outras caminhavam rapidamente, carregando sacolas com alimentos para doação. Os ingressos gratuitos esgotaram dias antes do jogo, e a única exigência do time foi de que cada torcedora levasse 1kg de alimento não perecível. Nas esquinas, vendedores ambulantes aproveitavam. "Alimento! Alimento para quem esqueceu!", ofereciam.

Às 14h os portões abriram e, com lentidão, os seguranças permitiram a entrada das torcedoras. Sem tempo ruim, elas cantavam e comemoravam cada mulher que subia as escadas em direção à revista pessoal.

"Estou ansiosa, muito louca, até por ser a primeira vez dentro do estádio. É a ansiedade de gritar, de estar junto com as amigas também. Coraçãozinho está batendo forte", conta Fernanda Queiroz, 36, que estava na fila uma hora antes de o portão abrir.

Ela conta que sempre teve simpatia pelo time por causa da avó, "athleticana roxa", mas que nunca teve oportunidade de estar no estádio. O jogo só para mulheres e crianças a animou tanto que ela escolheu o Athletico como time do coração, virou sócia e promete ir a todos os jogos durante a temporada. "É uma oportunidade de sermos ouvidas, termos voz, de a gente demonstrar que sabe torcer, que entende de futebol e que pode dar palpites", diz.

Torcida só de mulheres no jogo entre Coritiba e Athletico, no sábado (21) - Rafaela Rasera/UOL - Rafaela Rasera/UOLTorcida só de mulheres no jogo entre Coritiba e Athletico, no sábado (21)

A torcida mais vibrante

Dentro do estádio, os lugares vagos foram ficando escassos até o jogo começar, às 16h. Quem chegou em cima da hora teve de andar pelos corredores atrás de uma cadeira disponível. O primeiro e único gol da partida veio cedo, aos nove minutos do primeiro tempo. Gol de Khellven, lateral-direito do Athletico, que foi celebrado por mais de 32 mil mulheres e crianças.

O gol animou ainda mais o público e a torcida organizada do time, "Os Fanáticos", puxou as músicas tradicionais. Formada apenas por mulheres pela primeira vez na história, a bateria puxou: "Sou caveira, fanáticos de coração. A torcida mais vibrante do temido furacão". Ali, naquele estádio, naquele dia, aquela era a torcida mais vibrante do país. A ciência comprova. As pregas vocais da mulher vibram 250 vezes por segundo, duas vezes mais que a de um homem. Uma frequência rubro-negra de 250hz de cada torcedora que usou a voz para empurrar e comemorar o time.

Acima da multidão, duas mulheres se destacavam de pé em um caixote. "Agora para esse lado!", gritou uma delas, coreografando as torcedoras. Eram as responsáveis por puxar as músicas com a torcida. Em todo jogo, alguém fica de frente para a arquibancada e deixa de olhar o campo para criar o espetáculo da torcida. Essa foi a primeira vez que a função foi feita por mulheres.

Com um copo de chope em uma mão e agitando a outra no ritmo da música, a médica veterinária Pedriane Gomes, 36, estava empolgada. Integrante da organizada há 19 anos, ela se orgulha de estrear em cima do caixote. "Estou feliz. Acho que é um pouco de merecimento e respeito pela minha caminhada, pelo que eu já fiz [na torcida]", diz.

Segundo Pedriane Gomes, desde sua formação, em 1977, a torcida Os Fanáticos conta com mulheres. Hoje, elas formam a maioria - Rafaela Rasera/UOL - Rafaela Rasera/UOLSegundo Pedriane Gomes, desde sua formação, em 1977, a torcida Os Fanáticos conta com mulheres. Hoje, elas formam a maioria

A base vem forte

Pelas arquibancadas, era possível avistar muitas crianças de colo, cena pouco comum em dias normais de jogo. "É bem mais seguro. Como vão ter outras crianças também, acho que não vai ter nada de ruim ali na muvuca", aponta Marynah Samy Alves, 18. Em sua primeira vez no estádio, ela aproveitou para trazer a filha, Tayna, de seis meses, para fazer parte do caldeirão. Sentiu-se segura para apresentar o time à menina. Com pai e mãe athleticanos desde criança, Tayna, tão nova, já tem destino traçado.

Cantoria ficava mais forte quando a bateria puxava músicas provocando o Coritiba - Rafaela Rasera/UOL - Rafaela Rasera/UOLCantoria ficava mais forte quando a bateria puxava músicas provocando o Coritiba

Fernanda Costa se animou e levou pela primeira vez os dois filhos, de um e sete anos, e o vizinho, de 11, para conhecer o estádio com ela.

Nos últimos minutos do jogo — 1 x 0 pro Athletico —, o público total da Arena da Baixada foi anunciado: 32.031 mulheres e crianças. Com o telão exibindo o número expressivo, os gritos ficaram mais altos. "Aê aê, aê aê, a mulherada da caveira faz o caldeirão ferver", cantaram com força as athleticanas, celebrando o feito histórico com a música inédita, criada para aquele jogo. Elas devem voltar com a mesma empolgação ao estádio hoje (25), também como punição a uma briga de torcidas ocorrida em 2022, contra o Foz do Iguaçu.


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