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Postado dia 02/02/2019 às 14:50:15

A história do homem que furtou R$ 24 para comprar comida e se entregou à polícia

Há sete dias, José Patrick Pereira de Oliveira, 25 anos, rendeu-se ao desespero e furtou R$ 24 do caixa de uma loja no centro de Canela. O dinheiro serviu para comprar pão, mortadela e salsichas para saciar a fome dele, de um irmão adolescente e da companheira.

Sem antecedentes criminais, segundo a Polícia Civil, deu um largo passo rumo ao mundo do crime. O remorso, contudo, corroeu os pensamentos de José Patrick de tal maneira que ele se viu incapacitado de continuar sua rotina. Nas horas seguintes, o rosto assustado da jovem ao lhe entregar os R$ 24 não saía de sua cabeça. Perto da meia-noite de sexta-feira, 25 de janeiro, cerca de 11 horas após ter cometido o furto, ele saiu da moradia humilde no bairro Santa Terezinha, entrou na Delegacia de Polícia da cidade e admitiu a culpa para um agente de plantão. 

O arrependimento surpreendeu. Não é todo dia que alguém admite espontaneamente um crime e é mais difícil ainda que essa atitude parta de autores de delitos dificilmente investigados devido ao baixo potencial ofensivo, caso do furto. 

Veja vídeo onde José Patrick revela o arrependimento:

 

Desempregado há cerca de dois meses, ele afirmou à polícia que só queria ter dinheiro para garantir um dia a menos de fome na família e alcançou o objetivo do jeito errado. Mas foi a barriga cheia que lhe permitiu organizar a consciência e perceber o grande equívoco. O rapaz assinou a confissão e foi liberado por ter se apresentado voluntariamente. 

Um pouco mais tranquilo pelo desabafo diante da autoridade policial, José Patrick recebeu a reportagem para contar sua história. Reiterou sua penitência e a disposição de ressarcir o prejuízo e pedir desculpas à vítima — compromisso firmado no termo de declaração na DP. Sonha também em refazer a vida por meio de trabalho. Acredita que pode contribuir como auxiliar-geral e servente de pedreiro — já trabalhou numa fábrica de móveis e em construções. 

Nada foi fácil para José Patrick nos últimos anos e muitas incertezas ainda rondam ele e a companheira com quem convive há cinco anos. Mas está convicto de que furtos e assaltos não combinam com a sua personalidade. Filho de família desestruturada, já morou na rua, passou fome e viveu outros momentos inenarráveis. 

Antes de entrar na pequena loja da Avenida Osvaldo Aranha, por volta das 13h de sexta-feira, dia 25, José Patrick vivia mais uma etapa do turbilhão. Havia três dias que ele, a companheira e o irmão se alimentavam apenas com café preto e pão puro. O casal tinha receio de pedir ajuda mais uma vez aos vizinhos — foram muitas ao longo de um ano. Além disso, a família está com o aluguel e as contas de luz e água atrasados desde o final de 2018. Ele não quer que a sociedade sinta pena e reconhecem que decisões erradas abriram caminho para a atual situação. 

O FURTO

Na manhã daquela sexta-feira, José Patrick vivia a agonia de todo homem faminto e sem perspectiva de reverter a vida de pobreza. O rapaz afirma ter imaginado várias formas de arrumar comida, mas sentiu que seria mais fácil achar o alimento de outra forma. Para disfarçar, disse à companheira que passaria a tarde em busca de emprego. 

Sozinho, o rapaz percorreu o trajeto de dois quilômetros entre a casa dele e a Avenida Osvaldo Aranha, via que concentra restaurantes e lojas na área central de Canela. No meio do caminho, diz ter parado em dois locais para pedir comida, mas não teve resposta. Ao parar em frente a uma pequena lojinha de roupas, veio o impulso e o limite caiu por terra. 

— Na hora deu um negócio na cabeça. Entrei sem pensar muito onde estava. Daí pedi que uma mulher que estava no caixa me passasse o dinheiro — lembra.

José Patrick estava desarmado e não fez ameaças a jovem atrás do caixa - versão confirmada pela vítima na polícia. Assustada com a abordagem, a jovem entregou os R$ 24, dinheiro que o rapaz guardou no bolso da bermuda. Em seguida, José Patrick caminhou em direção ao bairro. A Brigada Militar (BM) foi acionada e iniciou buscas pelas proximidades. Os policiais abordaram José Patrick.

— O policial me atacou e disse que haviam roubado uma loja e o cara que fez isso tinha a minha característica. Quer era mais fácil falar a verdade agora do que mais tarde. Neguei e fui liberado — conta José Patrick. 

Na volta para casa, o rapaz diz ter parado num mercadinho para comprar pão e misturas. À companheira, afirmou que o dinheiro era emprestado. O banquete aliviou momentaneamente a angústia do casal e do irmão de José Patrick.

— Comi e fiquei pensando, deu aquele remorso. O que estou fazendo? O que eu fiz? A moça tinha chorado. Não conseguia esquecer a cara daquela guria da loja. Passei o resto do dia mal. Lembrei do que o policial tinha dito. Não aguentei e de noite falei para a minha mulher que eu iria passar na casa do meu tio, dar uma volta.

Sozinho, José Patrick caminhou três quilômetros até o presídio da cidade. Sentia frio na barriga, as mãos tremiam. Imaginava que era só bater na porta e ser preso. Lá, o agente penitenciário deu a orientação correta e o rapaz percorreu mais dois quilômetros e encontrou a delegacia. A luz das janelas pareciam um aviso da providência.

— Fui lá e me entreguei e o policial falou para mim que fiz o certo. Ele disse que se eu não tivesse me entregado, eles fariam a investigação e eu ia me incomodar mais tarde. Me entreguei por que sei que o dinheiro não era meu, não era o certo. 

 CANELA, RS, BRASIL 31/01/2019José Patrick Pereira de Oliveira cometeu um furto em loja de Canela e se entregou à polícia. Ele disse que pretende ressarcir a vítima. (Felipe Nyland/Agência RBS)
Na quinta-feira, José Patrick e a mulher dele só tinham um pouco de arroz para comer. Botijão já havia sido vendido por R$ 100Foto: Felipe Nyland / Agencia RBS

 

A INVESTIGAÇÃO

Na delegacia, além do agente plantonista, estava o delegado titular da DP, Vladimir Haag Medeiros. José Patrick prestou depoimento e deu sua versão. Num primeiro momento, houve dúvida se o caso deveria ser enquadrado como roubo ou furto. Mas, conforme Medeiros, o relato de José Patrick é semelhante à narrativa da vítima. 

— O caso se caracteriza como furto porque a vítima não relatou ameaça ou emprego de violência. O roubo, para ser caracterizado, tem que ter grave ameaça e isso não ocorreu — explica Vladimir.

Segundo o delegado, a legislação não permite o não indiciamento de José Patrick, mas se a investigação comprovar que ele furtou para comer, é possível que o inquérito seja concluído sem a responsabilização. Em outro cenário, com o indiciamento por furto, a pena prevista é de um a quatro anos de prisão, e multa. Por ser réu primário e como o caso envolve pequeno valor, a Justiça geralmente substitui a pena por outra medida. 

— As pessoas falam: sei que tu errou. Mas o que um homem, se se ver alguém da tua família chorando e ninguém te dá serviço, sem parentes que dão bola para ti, vai fazer? — desabafa José Patrick.

A reportagem procurou os donos da loja e vítima do furto, mas eles preferiram não falar sobre o caso. 

INCERTEZAS

O furto cometido por José Patrick e a confissão na DP não encerraram o drama familiar. Nesta sexta-feira, ele e a companheira deixaram a casa alugada. Será a primeira vez que o casal viverá separado. O rapaz conseguiu abrigo com um tio e a jovem irá para a casa de familiares. Os dois saíram apenas com as roupas. Forno micro-ondas, um forno elétrico e um sofá seriam vendidos. Os demais móveis pertencem à dona da moradia. 

No meio da semana, eles já haviam vendido o botijão de gás por R$ 100, dinheiro usado para comprar comida. O irmão de José Patrick foi embora na terça-feira para viver com outros parentes fora de Canela.

Por conta do envolvimento com drogas, José Patrick deixou de ter contato com a maioria dos familiares, mas garante estar sem usar nenhuma substância há quatro meses. Eles também não viu mais os pais, separados há anos. Questionados pela reportagem, vizinhos dizem que já ajudaram o casal, mas não se sentiram à vontade para fazer outros comentários.

José Patrick não concluiu o Ensino Médio (parou no segundo ano), já fez aulas de jiu-jitsu e inúmeros biscates. Nos últimos tempos, ganhava R$ 60 por dia como servente de pedreiro, mas não era com carteira de trabalho assinada. Também trabalhou como garçom, mas não foi aprovado no teste. A companheira, também desempregada, apoia José Patrick e acredita numa recuperação.

Ele admite que já buscou cestas básicas com a prefeitura e esmolou na rodoviária e nas ruas, mas não vê isso como solução, pois toda família, segundo ele, precisa ter um lar, um porto seguro para recomeçar e isso passa inicialmente pela conquista de um emprego. Apesar dos dissabores familiares e da separação temporária da companheira, José Patrick é esperançoso e crê em possibilidades melhores. No mundo ideal, se vê trabalhando e comprando novamente os poucos bens vendidos. Mais do que tudo: se vê pagando a dívida de R$ 24. 

 

do Pioneiro


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