Política

Postado dia 03/01/2023 às 01:14:27

A posse de Margareth, nova ministra de Cultura

por Severino Francisco

 

Eu e a torcida do Flamengo recebemos uma mensagem preciosa na sexta-feira. Era um vídeo com Margareth Menezes cantando no restaurante da Tia Zélia, na Vila Planalto. Maria de Jesus Oliveira da Costa, mais conhecida como Tia Zélia, é uma cozinheira baiana que veio para Brasília em 1976 e montou o restaurante popular na Vila.

Ela começou com uma mesa e quatro pratos, mas o boca a boca fez a propaganda da comida caseira da Tia Zélia, apreciada pelos empregados e pelos patrões. Lá, sempre é possível encontrar boa comida nordestina. Tudo simples, mas feito com capricho, carinho e respeito. 

Margareth visitou o bar, os frequentadores estabeleceram imediatamente a conexão musical; quando apareceu, começaram a cantar Faraó, a canção que aflora o Egito que há no Brasil. Ela pegou a melodia no ar e deu a canja. 

Cantou com a alegria da voz ancestral afro-brasileira e, logo que iniciou, foi acompanhada pela batida ritmada de palmas. Tudo em sintonia musical como se fosse ensaiado. Em outro momento, emendou com Manda chamar. Quem ouviu imaginou que Margareth inventou a melodia e os versos em cima da hora. Na verdade, é uma parceria de Roberto Mendes e Capinam, de impressionante atualidade.

 

Parece que eles sopraram a música e as palavras no ouvido de Margareth especialmente para servir de trilha sonora da celebração deste momento de passagem e redenção que vivemos no Brasil: “Manda chamar os índios/Manda chamar os negros/Manda chamar os brancos/Manda chamar meu povo/Para o rei Brasil renascer/Renascer de novo.”

No ritmo das palmas, como se estivesse em um quintal de samba ou em um terreiro de candomblé, ela continuou a convocação para o renascimento do Brasil, dos bichos, da mata, da terra, do ar de fogo:

“Manda chamar os bichos/Manda chamar a mata/Manda chamar a água/A terra, o ar e o fogo Para o rei Brasil renascer/Renascer de novo.”

Gilberto Gil era um ministro da cultura que poderia chegar em qualquer palco do planeta, sentar-se em um banquinho e arrasar, armado apenas do violão e da voz. De maneira semelhante, temos agora uma ministra da cultura capaz de tocar na alma só com a voz e as batidas ritmadas das mãos.

Margareth tomará posse, oficialmente, no primeiro dia de 2022, mas, na verdade, a palhinha que ela deu no restaurante da Tia Zélia foi a verdadeira posse simbólica como legítima representante da cultura afro-brasileira, dos terreiros, do Olodum, dos Filhos de Gandhi, do Ylê Ayê, quilombos modernos de resistência da cultura brasileira. É muito bom quando o Brasil é Brasil. Margareth nos fez chorar as tais lágrimas de esguicho de que falava Nelson Rodrigues com esse ritual do coração: “Manda chamar Tupã/Manda chamar Olorum/Chamar o Deus do povo/Para o rei Brasil renascer/Renascer de novo”.

Severino Francisco cursou jornalismo no Uniceub e fez mestrado em literatura na UnB. É jornalista desde 1978. Lecionou jornalismo e estética no Uniceub. É autor, entre outros, de Da poeira à eletricidade – Uma história da música em Brasília e de biografia sobre o artista plástico Athos Bulcão. Escreve a coluna Crônica da Cidade do Correio, desde 2006.


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