Política

Postado dia 27/11/2022 às 22:18:26

No caminho de Moysés Lupion se levantou um general

Mesmo apoiado pela equipe de Manuel Ribas, o rico empresário do interior precisaria vencer fortes obstáculos no universo político de Curitiba

Os acontecimentos da política palaciana em Curitiba na transição da ditadura Vargas para a democracia precária do pós-Guerra teriam influência decisiva para o futuro do Oeste paranaense.

No momento em que Ribas foi deposto, em 1945, um pelotão de correligionários de Moysés Lupionn já havia partido para lhe dar proteção, de modo que pudesse abandonar ileso o Palácio São Francisco, sede do governo.

Sabia-se que haveria manifestações de desafetos que poderiam chegar às raias da violência. Os servidores demitidos por Maneco Facão, apelido de Ribas, que descartava sem pestanejar funcionários públicos resistentes a seu esquema de poder, protestaram com ira e energia.

Na saída, os manifestantes jogaram pedras sobre o ex-interventor. Próximo a Ribas, um jovem goleiro de 18 anos, que trabalhava em uma indústria farmacêutica, agarrou uma dessas pedras em pleno ar: Celso Formighieri Sperança.

Grato por ser salvo da pedrada, Ribas chamou Sperança para se juntar à equipe. Virá desse contato o início da imprensa em Cascavel e muito mais.

 

Filhos de pioneiros e imigrantes

Então já protegido, Ribas recebe de Lupion a principal sala de sua empresa em Curitiba para instalar o QG do PSD. Aliás, o PSD que se oficializou em 1945 era o mesmo staff ribista que já governava o Paraná desde a década de 1930.

O rumo dos acontecimentos na capital devolvia a Jeca Silvério parte da influência perdida com o Território do Iguaçu porque à sociedade “cabocla”, no dizer de Sandálio dos Santos, juntava-se uma comunidade de filhos e netos de imigrantes com lembranças dos confortos que experimentaram nas florescentes cidades do Sul.

Estudando em boas escolas, com ascendente padrão de vida na região de colonização italiana no Sul, os jovens traziam em suas visitas aos pais em Cascavel, nos períodos de férias, o anseio de conquistar também para o Oeste paranaense aquele padrão.

Os filhos das famílias pioneiras também cresciam e se associavam aos filhos dos imigrantes primeiro em travessuras e depois em esportes e logo também iriam se associar – ou divergir – na política.

 

O legado de Manuel Ribas

Embora Moysés Lupion ainda não fosse aceito por outros caciques pessedistas, o ex-governador Ribas já o estimava e recebia nos domínios lupionistas as principais lideranças nacionais.

Havia algo mais, porém. Ali, Ribas também articulava a criação do Partido Trabalhista Brasileiro. O futuro centro do populismo trabalhista no Paraná brotava, visivelmente, nas entranhas do conservador PSD.

Assim, germinando no interior de uma das dezenas de empresas da família Lupion, o PTB, criado nacionalmente em maio de 1945, depois será o fator decisivo para a candidatura de Moysés Lupion ao governo.

Maximino Zanon e Abilon de Souza Naves (1905–1959), ligados a Lupion por um amigo comum – Raul Vaz – assumem o comando do PTB no Paraná, mas a manobra é percebida pelos adversários.

“O PTB do Paraná está dominado por alguns cidadãos sem cultura, sem projeção nem consciência política. Estão submissos ao sr. Moysés Lupion de Tróia, do diretório estadual do PSD. [Ele] custeia as principais despesas do partido, sendo assim o mesmo perdeu sua autonomia. Estão fazendo do partido um rendoso negócio, nem ao menos admitiram a candidatura de ilustre sr. Ivo Leão, que sempre esteve em defesa dos trabalhadores” (jornalista Roberto Barrozo, Diário da Tarde, Curitiba, 4 de novembro de 1946).

Ao morrer, em 28 de janeiro de 1946, Manuel Ribas deixava o PSD e o PTB imantados por sua personalidade forte. Assim, fosse com Pinheiro Machado ou com Lupion, de qualquer forma Ribas deixava um sucessor. Seu legado estava assegurado por herança.

 

Defeito: ser do interior

Ironicamente, se o nascimento do PTB no Paraná se deu nas vésperas da morte de Ribas, seu fracasso político viria depois como consequência da morte de outro líder: o mineiro Abilon de Souza Naves.

Considerando que o interventor Mário Gomes tendia no mínimo a ser um elemento neutro, a operação de Lupion para chegar ao poder estava em plena marcha.

Líder do PSD, o major Fernando Flores estruturava o partido no interior, onde ainda era forte o prestígio do falecido Manuel Ribas. Restava aos lupionistas resolver o antagonismo dos curitibanos à ideia de suportar mais um interiorano à frente do governo estadual.

O ponta-grossense Ribas foi imposto por Vargas e o também ponta-grossense Brasil Machado acabara de sair do governo para preparar a própria candidatura. Como o jaguariaivense Lupion era a alternativa a Machado, as elites curitibanas tentam encontrar uma saída.

Para Curitiba, Machado ou Lupion apenas manteriam o arranjo armado por Manuel Ribas e pelo ex-ditador Vargas, que manobrara a formação de seus dois fortes partidos de apoio: PSD e PTB.

 

Jornais eram “comitês” eleitorais

Lupion, ao chegar rico à capital, era ainda visto com maus olhos pelas oligarquias tradicionais. Elas já haviam engolido Ribas, imposto por Vargas, e não gostariam que isso voltasse a acontecer em uma escolha democrática.

Mas por mais que tentassem, não haviam alcançado êxito na tratativa de encontrar um nome civil eleitoralmente forte de Curitiba para disputar o governo pelo PSD de modo a conjurar as chances dos interioranos Lupion e Machado de continuar no governo.

A opção que resta é forçar uma candidatura militar. Afinal, Dutra presidia o Brasil e era um general. Na imprensa claramente controlada pelos interesses eleitorais, a Gazeta do Povo, jornal do próprio Moysés Lupion, trocava farpas com o Diário da Tarde de Roberto Barrozo, seu inimigo.

Nascido no Rio de Janeiro, Roberto Plens Ferreira Barrozo (1895–1965) foi chefe da Polícia no Estado antes da ditadura e depois também um jornalista com lado definido, intransigente e mordaz.

Com esse quadro, estão sacramentados dois grupos em choque no interior do PSD: de um lado, Pinheiro Machado; do outro, o major Flores. Mas se o Paraná inteiro já vai fechando com Lupion, dentro de seu próprio PSD a situação ainda era desconfortável.

 

A tese da candidatura única

As bases lupionistas encontraram a chefia do partido comprometida com Brasil Pinheiro Machado, mas pretenderam virar o jogo cooptando as lideranças do interior. O Oeste do Paraná, por exemplo, era um terreno desconhecido para os líderes curitibanos, mas se tornara o quintal do lupionismo.

A ala de Pinheiro Machado tentou a manobra de desqualificar o empresário Moysés Lupion como um arrivista recém-chegado a Curitiba, sem condições de assumir a função de comandante do Estado por desconhecer a realidade do governo. “Que interesses reais Lupion representa?”, perguntam os adeptos do professor Brasil.

Lançando suspeições sobre Lupion, Pinheiro Machado dá mais uma cartada agressiva, acusando o projeto de Lupion de ser um “golpe”. Mas o ataque já é um sinal de fraqueza, que apenas fortalece a tese curitibana do candidato militar.

O QG de Lupion, contudo, sente o abalo: uma candidatura militar em País governado por um general de quem o candidato já havia sido chefe de gabinete no Ministério da Guerra poderia se robustecer, representando um sério problema para seu projeto.

 

A cartada de Brasil Machado

Pinheiro Machado, ao sentir o avanço de Lupion, tentou enfim uma saída desesperada em 7 de outubro de 1946, anunciando sua opção pelo candidato militar.

Argumentando que as Forças Armadas garantiram as eleições livres no País e mereciam essa homenagem, os curitibanos propõem o nome do general José Agostinho dos Santos para o cargo de governador constitucional do Paraná, na condição de candidato único.

Nascido no Paraná em 7 de abril de 1885, aos 17 anos José Agostinho já estava integrado ao 6° Regimento de Artilharia de Campanha, em Curitiba. Em 1903 foi cursar tática no Rio Grande do Sul e em 1909 serviu no 12° Regimento de Cavalaria Independente, em Bagé.

De volta a Curitiba como segundo tenente em 1912, no 2º Regimento de Artilharia Montada, teve uma carreira admirável, combinando o sucesso em cursos com brilhantes missões exercidas. Sua ligação com o presidente Dutra começou na Revolução Constitucionalista, em 1932, quando foi promovido a tenente-coronel.

Com a ditadura Vargas, em 1937, Santos acompanhou Dutra como chefe de gabinete no Ministério da Guerra, com a atuação que lhe valeu o generalato em 1941 e retornar a Curitiba como comandante da Infantaria Divisionária da 5° Divisão de Infantaria.

 

O calcanhar de Aquiles

Seria difícil derrotar um militar nativo do Paraná que por méritos se tornou tão próximo ao presidente Dutra. E como achar defeitos em um militar que sempre se destacou em tudo que fez?

Durante a Guerra, embora inicialmente contrário, o general Santos autorizou a permanência na fronteira das famílias italianas Basso e Palma, hostilizadas por suspeitas sem provas de que seriam colaboradores do fascismo italiano.

Defendidas por Valdrido Pilotto como famílias sem atividades políticas extremistas e com positiva atividade na comunidade oestina, o general consentiu em abrir exceção para algumas famílias hostilizadas pela ditadura, permitindo que continuassem a viver em paz em Foz do Iguaçu.

O general Santos, porém, sofria do mesmo mal que outras autoridades curitibanas, tomando decisões referentes ao interior por ouvir dizer, sem conhecer a realidade regional.

Vender Lupion como um homem de todo o Paraná surgiu como arma para enfrentar candidatos limitados aos bastidores da capital paranaense, mas o general Santos não era qualquer um. O jogo ainda estava aberto.

FOTO ACIMA: Major Flores e jornalista Barrozo em lados opostos. Manuel Ribas perdeu o poder mas não parou de manobrar. General Agostinho ia ao interior e Moysés Lupion tentava ser simpático aos curitibanos


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